segunda-feira, 9 de março de 2015

Compostando e surgindo no lótus


Quanto tempo...
Acabei de escrever esse texto, em função de um trabalho que farei na semana que vem. Uma vivência com mulheres que trabalham com mulheres trabalhadoras rurais. Em minha vida humana, tive um momento rural... Escrevi sobre isso, como uma analogia de nossa condição humana. Que possa servir de inspiração...
 

Vivi cinco anos de minha vida em uma comunidade espiritual, numa zona entre o urbano e o rural, onde realizávamos diversas tarefas, dentro do sítio de 12 hectares.

Entre as tarefas que eu realizava com bastante prazer, estava o manejo da composteira. Eram 5 células de aproximadamente um metro cúbico, que continham os resíduos orgânicos de nosso refeitório, as folhas secas, as minhocas e outros seres ajudantes no processo de decomposição e composição. Sim. A última célula, com o produto final, era de um perfume maravilhoso. Cheiro de terra. Terra rica. Mas até chegar ao resultado final, é preciso de manejo, dentro desse sistema. Manejo significa mexer, arejar, colocar folhas secas, cinza dos fogões à lenha, molhar quando necessário.

 A primeira célula, que recebia a primeira camada de folhas, no momento de revirar e passar para a segunda célula, elevava um aroma característico da decomposição, o que desagradava os olfatos da vizinhança. Realmente, eu que ficava lá revirando, por  aproximadamente uma hora, saía de lá com as narinas inundadas pelo aroma orgânico da decomposição. Tinha que ter uma disposição básica para esse serviço. Sinto saudades. Tudo o que não era aproveitado, se tornava alimento de outros seres, que generosamente, iam transformando aquilo que era considerado resíduo orgânico em adubo.

Tal como nas nossas vidas, alguns processos internos devem literalmente ser removidos,  e nós, como jardineiras, temos a oportunidade de ver a transformação do resíduo em adubo. A transformação dos nossos venenos internos em alimento vivo da sabedoria que brota. Sabedoria que brota do entendimento de cada processo, de cada situação desafiadora, de cada crise, de cada “oportunidade de crescimento”, que muitas vezes, se manifestam revestidas de sensações de tristeza, de perda, de revolta... Estamos dispostas a remexer em nossos resíduos, em nossos venenos, e ver disto, brotar alimento vivo para nosso jardim interno?

Tal como a composteira, dentro da mitologia simbólica oriental, temos o exemplo da flor de lótus. Suas raízes se alimentam do lodo, mas suas pétalas e fragrância, brotam imaculadas. Simbolicamente, o lodo representa as nossas emoções perturbadoras, os chamados venenos da mente (orgulho, inveja, desejo e apego, ignorância, carência, raiva e medo). O lago representa o sofrimento que se manifesta justamente pela expressão dos venenos da mente. Do lodo e do lago, brota o talo do lótus. O talo do lótus se eleva das águas. Simbolicamente, representa a nossa aspiração de não seguir operando a partir dos venenos da mente, e não dar tanta solidez ao sofrimento inevitável que todos os seres passam. Essa aspiração é acompanhada pela intenção de atuar numa direção positiva, ajudando os seres a criarem outros meios de se relacionar e de viver.

Todos os seres aspiram à felicidade e aspiram se livrar do sofrimento. Sabemos que ao operar a mente a partir dos venenos, o sofrimento inevitavelmente surge. Mas ao nos colocarmos numa posição de mente que pode ajudar os outros seres, praticando a compaixão (desejo que o outro se livre do seu sofrimento), o amor (desejo que o outro seja feliz), a alegria (contentamento com a vida), a equanimidade (olhar em todas as direções e aspirar ajudar), isso nos tira literalmente da experiência do sofrimento, e nos coloca na experiência de lucidez.

Sempre sobre o lótus, temos as imagens de divindades, deidades femininas e masculinas, que se apresentam como aqueles que ajudam a afastar o sofrimento dos seres, gerando as condições para a felicidade relativa e a absoluta. As pétalas abertas da flor de lótus representam as habilidades que temos e desenvolvemos que ajudam os seres a não seguir afundando no lago do sofrimento e no lodo das emoções perturbadoras. Ao reconhecer que temos dons únicos e habilidades preciosas, nós mesmas “sentamos sobre o lótus”. Nossa alegria é ajudar. É ver o brilho nos olhos de todos os seres que passam a valorizar suas qualidades para benefício dos outros. É a radiância da sabedoria e do amor em ação. Isso nos faz feliz.

 Assim, andamos no mundo, como “agentes da cruz vermelha”, que estão em contato com a negatividade, mas não se perturbam. Como manifestações do Feminino Sagrado, nascidas no lótus do amor e da compaixão por todos os seres, aliviando o sofrimento e gerando caminhos de felicidade e lucidez. Caminhos de auto-cuidado, de apoio, de acolhimento. Como Guerreiras, Visionárias, Mestras e Curadoras da Terra.

Tempos de Transformação de Mundos. Nosso mundo interno sendo refletido no mundo externo. Nossos dons e habilidades à serviço de um Bem Maior. O Bem Comum. O Bem Humano. Pelo nascimento da tão sonhada HUMANIDADE!

“Somos mulheres, mulheres sim. Numa missão de luz e amor.”